Os povos indígenas e Bartolome de las Casas estão vivos
Resistem a morrer e lutam pelo Bem Viver
No dia 17 de julho, nos Andes, os índios recordam a figura mítica de Tupac Amaru. No século XVIII, esse índio se proclamou descendente do Inca e juntou os povos indígenas em uma revolta contra o domínio espanhol. Ganhou muitas batalhas, mas foi traído por um dos seus companheiros e para que não houvesse uma carnificina se entregou e foi enforcado.
O mesmo 17 de julho, esta vez em 1566, falecia Bartolomeu de las Casas, primeiro bispo de Chiapas, no sul do México e defensor da dignidade dos índios contra o sistema colonizador e escravagista. Ele era um frade dominicano que, ao ver o sofrimento dos índios se converteu e se tornou missionário e teólogo para lutar contra a escravidão. Defendeu a dignidade dos índios junto ao rei da Espanha e escreveu o primeiro tratado de teologia e espiritualidade que ensina: nos corpos dos índios escravizados, é o próprio Jesus Cristo que é explorado pelos que se dizem cristãos.
Atualmente, quase cinco séculos depois, podemos lamentar que ao protestar contra a escravidão indígena, Las Casas não tenha sabido denunciar o próprio sistema colonizador em si mesmo. E há quem o acuse de ter aceito o tráfico e a escravidão dos africanos para substituir os índios nas minas e engenhos da colonização. Não há provas disso. De fato, ao morrer em 1566, Las Casas não chegou a antever esse problema. O tráfico de africanos sequestrados para ser escravos na América floresceu em época posterior, a partir das últimas décadas do século XVI.
Seja como for e mesmo se tem contradições, em nossos dias, os escritos desse grande missionário são referência para uma nova concepção intercultural de missão e de leitura da história a partir das vítimas e não dos vencedores.
Hoje, uma espiritualidade lascasiana rejeita uma missão cristã que tenha como objetivo conquistar adeptos para a fé e a assume como diálogo que valoriza a presença divina em toda realidade humana e respeita a diversidade das culturas.
Ainda em nossos dias, na Amerindia Afro-Latina, os povos indígenas continuam massacrados, vítimas de um modelo de progresso que olha os índios como estorvo para a concentração de terras, o agro-negócio e os lucros das grandes empresas. Na Colombia os indigenas do Cauca dão uma lição em favor da paz e proteção dos recursos naturais. No Brasil as contradicções juridicas fazem parte das armadilhas dos politicos e governantes de turno no relacionamento com os povos indigenas. Na Bolívia pluralista e multicultural se constrói, com muito esforço e entre grandes contradições e confrontações, a sociedade intercultural, que harmoniza a unidade entre diferentes a partir da pluralidade e a convivência responsavel com a criação toda. Poderiamos seguir vinculando a esta corrente do Bem Viver, como alternativa ao modelo desenvolvista, os povos indigenas do Abya Ayala, "terra viva", que se encontram periodicamente nas Cúpulas Continentais dos Povos e Nacionalidades Indígenas para articular os pasos e o caminho.
A memória de Las Casas nos chama a apoiar a resistencia dos povos indigenas em favor da vida humana e do planeta como um todo articulado, por motivos humanos e sociais, éticos e espirituais ou de fé.
Não podemos aceitar projetos de desenvolvimento que não levem em consideração o respeito aos povos e seus territorios, que sempre foram vítimas da história e suas culturas religiosas. Em 1815, Simon Bolívar, o libertador da pátria grande que é a América do Sul, em sua "Carta de Jamaica”, considera o elemento religioso como aglutinante da alma americana e formula "a necessidade urgente de uma união de nossos povos, ligados por elementos culturais e religiosos comuns”. Viver isso hoje é retomar uma espiritualidade lascasiana e libertadora.
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